OS PARTE-COSTELAS

Há os de mimo, os de cumprimento e os de colo. Há também os de tira-dor depois da esfoladela no joelho e ainda os tira-medo por causa do pesadelo noturno.

E depois... há os parte-costela. Os abraços, digo - os abraços parte-costela.

Embora se possa ser picuinhas e afirmar que todos os tipos de abraço cabem no mesmo saco... eu, emigrante à 15 meses num local 8.000 mil quilómetros distante de tudo o que sempre conheci digo, inegociavelmente, que não, não cabem. Os abraços parte-costelas são diferentes de todos os outros.

Oa abraços parte-costelas seguem outras regras, impõem-se por outros motivos e são o primeiro gesto que se faz quando reencontramos o outro pedacinho do nosso coração. Porque é disso que se trata: o reencontro com o outro pedacinho do nosso coração.

Cada pessoa que nos é muito próxima tem um pedacinho do nosso coração. Foi-lhe entregue. Por nós. Por isso, quando vivemos distantes ou estamos muito tempo sem conviver com essa pessoa tão chegada, o espaço que esse pedacinho ocupou no nosso coração começa a doer. A doer muito. De saudades.

E só existe uma forma de apaziguar essa dor: oferecer e receber um bem grande abraço parte-costela, ainda antes de proferir uma palavra que seja. E é de tal forma apertado que quase deixamos de respirar. Mas assim tem de ser. Para realmente voltarmos a respirar. Sem dor.

Por estes dias vou oferecer muitos abraços parte-costelas. Mal posso esperar...

A PERFEIÇÃO PODE MATAR

Isto de tentar a todo o custo ser (parecer...?) perfeita cansa muito: alheamo-nos da realidade, anestesiamos emoções, construímos o argumento da nossa vida (na vez de a vivermos tal e tal como ela é, com todas as divertidas peripécias e dolorosas experiências) e cansamos os maxilares com sorrisos forçados.

Como dizia, tentar chegar à perfeição cansa muito. E eu estou esgotada. Sinto-me esvaziada. Falta-me energia.

E pergunto-me: para que serviu a busca da perfeição? Que reais benefícios me trouxe? O que ganhei de verdade com todo esse processo insano e inalcansável? Bem, muito pouco. Porque no processo de me afastar de quem sou para tentar ser outra coisa diferente - imbuída da crença de que seria algo bem melhor! - alienei-me. Perdi quase totalmente a noção de quem sou.

Os quarenta anos envolvem inegavelmente uma mágica e misteriosa magia que nos desperta para as mudanças que precisamos de fazer na nossa vida. Nesta altura começamos a separar o trigo do joio no que respeita a amizades, a prioridades profissionais e até emocionais.

Neste ultimo ano os meus quarenta anos envolveram tanta pancada, tanta dor, tanta abrupta saida da minha zona de conforto que a dada altura pensei que não iria aguentar o embate.

(...e isso esteve prestes a acontecer...)

Como resolução pós-férias, a minha prioridade vai ser voltar a energizar-me. Vai ser resgatar-me. Vai ser assumir o meu eu em pleno, correndo o risco de no decorrer disso, algumas pessoas estranharem e se afastarem de mim.

(... mas é impossivel agradar a todos...)

Eu é que não posso mais colocar-me em segundo plano. Eu é que não posso mais pensar que não sou merecedora.

... eu é que não posso mais pensar que não vou ser amada tal como sou...

Abrir o buraco onde me escondi foi esgotante. Manter-me lá no fundo também. Sair dele demora algum tempo. Mas só assim posso viver outros 40 anos, desta vez de forma saudável e plena. Não feliz! - a Felicidade é o caminho, não o fim. Mas plena. E se isso assim for, será maravilhoso!

Porque eu mereço.

SINTO-ME... NÃO! ESTOU CANSADA!

O "sentir" encerra em si algo de passageiro. Eu não ando temporariamente cansada, não, de todo. 

Eu estou sim em modo "Cansada". E este tem sido o meu estado há já muito, muito tempo.

Mas só ultimamente me dou conta da dimensão desse estado; entre mudança de país, realidade climática e de casa (esta ultima recente, decidida e concretizada numa semana...), perdi-me algures por aí. 

Quase a completar um ano de estadia em Angola e portanto, quase a completar-se um ano a viver novamente a 5 e a serem novamente dois a cuidar e educar 3 crianças, pergunto-me simplesmente como consegui aguentar tanto tempo sozinha. Como consegui cuidar de uma mãe doente, assistir impotente à vida a escapar-lhe do corpo, fazer o funeral, encerrar uma casa, lidar com o pânico de ir mudar radicalmente de vida... ao mesmo tempo que cuidava de 3 crianças, sozinha. Sozinha.

A resposta? A resposta a todas estas perguntas é que, na verdade... eu não consegui. Eu estive em esforço mental e emocional durante todo esse tempo. O fisico andou em piloto automático. Eu coloquei-me em modo "dormente". Para poupar energia. Para não colapsar de uma vez por todas. Para sobreviver.

Passado quase um ano a viver num outro país a 5, acompanhada nesta missão para a vida que é educar os nossos filhos, começo finalmente a relaxar. 

Começo a permitir perdoar-me por não ser super-mulher 
(porque não tenho de o ser, nem para mim nem para ninguém).

Partilho as angustias e ansiedades que me assolam de quando em vez 
(já não estou sozinha...).

Permito-me pedir ajuda porque sei (agora) que não tenho de fazer tudo
(já não estou sozinha...).

... começo a relaxar...

E agora o esforço, que quase me engoliu, finalmente dá tréguas e abranda. Assim como a adrenalina
(essa doentia e viciante sugadora de energia).

E portanto, agora dou-me conta de que estou de rastos... estou muito cansada... preciso desesperadamente de descansar. 

Como o faço? Não faço a mais pálida ideia. Creio que esse é, sem sombra de dúvida, um dos meus desafios a muito curto prazo...

NUM TERRIFICO MINUTO...

... tudo muda. A 16 de Julho de 2015, exactamente às 10.05 da manhã e um minuto após entrar numa agência para tratar do meu visto para ir morar para Angola, recebo um telefonema. Desconhecia o número. O meu estômago contrai-se repentinamente. Atendo a chamada e do outro lado ouço apenas isto: "É a Sra. Sónia Silva? É do Hospital Santo António. Lamento informá-la, mas a sua mãe acabou de falecer. Os meus pêsames."

E pronto, desabou tudo.

Desligo a chamada. Estou atarantada. Acabou de falecer? E ligaram-me logo? Não sei porque razão estranhei o facto de me ligarem imediatamente a seguir ao ultimo sopro de vida da minha mãe. Estaria ela acompanhada nos seus ultimos minutos de vida, teria ela alguém ao seu lado aguardando que partisse para o outro mundo, para que não fizesse a viagem sozinha? Desligo esse pensamento. Tenho de ligar ao meu irmão. Enquanto faço a chamada e ser agora eu a portadora de tão triste noticia, penso: "Agora eu e o meu irmão somos orfãos. Eu sou orfã..."

Ouço a comoção do outro lado do telefone. Tento controlar-me para ser a figura mais velha que conforta e sossega.
(agora não há outra figura mais velha para nos proteger e sossegar...)

Ligo o piloto automático: é preciso ligar à funerária, é preciso tratar de papelada, é preciso... é preciso... 
... é preciso eu sentar-me e respirar fundo. A minha mãe morreu. E já não tenho pai também.  "Agora estão os dois juntos e a olhar para nós. E por nós." E o meu coração acalma-se um pouco.

Lembro-me que o meu pai também faleceu num dia 16. Coincidência...? 

Relembro que a minha mãe faleceu exatamente no minuto em que eu entrei numa agência para me ir embora de Portugal. Para ir morar para outro sitio. Muito longe dela. Coincidência...?

A garganta começa a ficar apertada. O estômago começa a ficar tenso. Tenho dificuldade em respirar. Sei que tenho de ir para a casa dela. Voltar a sentir o seu cheiro na casa, no sofá onde passou as suas ultimas semanas de vida, nas roupas que usou nos ultimos dias, no quarto onde dormiu as suas ultimas noites...

Chego a casa da minha mãe e levo imediatamente com todos esses estimulos. Sento-me no sofá onde passou deitada os seus ultimos dias em casa antes de ser hospitalizada e por segundos - por milagrosos segundos! - vejo-a ali deitada. Fecho os olhos e desato a chorar copiosamente, como choro agora à medida que escrevo estas palavras.

As semanas que se seguiram foram para mim e para o meu irmão também igualmente terriveis emocionalmente, pois o voltar àquela casa todos os dias para mexer em papelada que era da minha mãe, mexer em roupa e outros objetos que eram da minha mãe, tomar decisões sobre o destino de tudo o que era da minha mãe... foi dilacerante.

Neste preciso momento, sinto que a minha mãe está atrás de mim a abraçar-me, para me reconfortar. Pois lágrimas correm-me pela face. Sinto muito, muito a falta dela.

E no aqui e aogra, só tenho é que lhe agradecer: agradecer-lhe por juntamente com o meu pai, me ter proporcionado a vida; agradecer-lhe por ter sido a avó cuidadora dos meus filhos, agradecer-lhe por numa manhã, já hospitalizada e a sofrer das primeiras complicações pós-cirurgia, ter ficado feliz ao me ver entrar na sala onde estava internada e me dizer que estava ansiosa que eu chegasse porque estava com saudades minhas (e logo a seguir perguntou pelo meu irmão porque também estava cheia de saudades dele) - nesse momento senti-me pequenina novamente, amada e reconfortada...

Obrigada Mãe. Por tudo. Gosto muito de ti, sabes? 

E também estou cheia de saudades tuas...

SER TOTÓ, PRAIA E O ESSENCIAL

Quando era mãe de uma só criança era uma completa totó! Preocupava-me com tudo e mais alguma coisa, tentava antecipar múltiplos cenários de acidentes domésticos em minha casa, na casa dos avós e na casa dos amigos. Ficava chateada por em casa dos amigos - sem filhos - haver um potencial enorme de idas ao hospital porque a casa deles não era à prova de bebé. Não jantava com os adultos, não ouvia nem participava nas suas conversas relaxadas e abria a boca apenas para relatar as recentes habilidades da minha filha (que muitas vezes se resumiam apenas a um "ontem ela sorriu para mim quando a fui acordar!. Não é uma fofura esta minha filha?!?"). 

As idas à praia requeriam uma hora de preparação em casa - pelo menos - da parafernália de e para a bebé. Se nos lembrássemos de levar as nossas toalhas era uma sorte! e a mala do carro ficava completamente lotada com o saco das fraldas, o saco de muda de roupa, as duas toalhas para a bebé, o saco da comida da bebé, o saco dos brinquedos da bebé e um saquinho pequeno para levar o nosso telemóvel - para tirar fotografias à bebé na praia, pois claro!, o porta-moedas e pouco mais. Hã!, e o tapa-sol para a bebé estar à sombra e o tapa-vento para a bebé não se constipar. 
Depois de meia-hora a acomodar tudo na mala do carro e finalmente arrancarmos para a praia, quando lá chegávamos, tirar tudo da mala era bem mais rápido. Mas carregar tudo isso para a areia era outra história... normalmente era o papá feito burro de carga que levava os 500 mil sacos e eu levava a bebé ao colo, até ao local da areia onde assentávamos arraiais.

Depois nasceu a minha segunda filha, tinha já a mais velha 4 anos. Lembrando-me do stress que tinha sido levar sempre tanta coisa para um dia de praia, com receio de faltar alguma coisa para a minha bebé e concluir sempre - sempre - que afinal não era preciso levar 10 mudas de roupa e praticamente um pacote de fraldas porque a bexiga e intestinos da bebé não iam funcionar mais do que o habitual só porque estávamos na praia, comecei a simplificar a quantidade de parafernália a levar: reduzi o numero de mudas de roupa, o numero de brinquedos (afinal, para a bebé, comer areia é bem mais interessante do que fazer castelos com o balde e pás; e a irmã mais velha queria era estar sempre na água), o numero de fraldas e a quantidade de toalhas de praia - apenas uma por pessoa - tecnicamente dava o mesmo numero de toalhas mas agora era apenas uma para a bebé. 

Ainda levávamos meia-hora a enfiar tudo e todos no carro, mas quando chegávamos à praia o papá burro de carga já tinha uma ajuda - a filha mais velha levava o saco dos brinquedos.

Depois nasceu o meu filho. 8 anos depois da minha primeira filha. E tudo parecia voltar ao mesmo...

Sempre adorei ir para a praia. E depois de ser mãe, assistir ao prazer nos meus filhos da descoberta da areia, do barulho e cheiro do mar, dos tesouros a descobrir (a.k.a. conchas na areia, caranguejos escondidos nas rochas, pocinhas e mais pocinhas onde molhar os pés enquanto ansiosamente se aguarda pelo término da digestão...) era delicioso. Privar-me e aos meus filhos disso estava fora de questão. 

Portanto, depois de muitos Verões a afinar estratégias para não se levar tanta tralha para a praia, depois de ao fim de 10 anos de idas à praia com crianças, a simples ideia de preparar um saco me provocar calafrios pela carga de trabalhos que me ia dar, era hora mais uma vez de simplificar e de destralhar, mas à séria. E realmente levamos a coisa à séria, ao ponto de ficarmos surpresos com a quantidade de sacos que agora levamos para a praia tendo três filhos: 1 saco. Sim, apenas um saco!

Ok, não é um saco qualquer, é bem grande (sabem aqueles sacos azuis do Ikea? Forrei-o com um tecido engraçado e voilá, saco de praia!). Mas leva dentro estritamente o essencial, ou melhor, o que nós consideramos o essencial face à idade que os nossos filhos agora têm: apenas duas toalhas grandes (sim, apenas duas toalhas para cinco pessoas!), uma garrafa de água, protector solar, um balde com pás, o porta-moedas e um telemóvel (para a fotografia e para chamar uma ambulância - descontracção sim mas q.b.). E se for para passar o dia inteiro na praia, ainda enfiamos no saco uma lancheira não muito grande com fruta, sandes e bolachas. E cabe tudo! E não sentimos falta de nada!
E nada de tapa-sol porque afinal os miúdos recusam-se a ficar sentados debaixo dele e nada de tapa-vento - quem tem filhos acima dos 2 anos sabe que nunca vamos precisar de nos resguardar do vento, porque nunca vamos estar sentados a levar com ele, vamos sim andar atrás dos miúdos para nos assegurarmos de que não escorregam de nenhuma rocha ou não se afogam enquanto brincam à beirinha da água. 

Agora vejo aqueles papás a descer a duna de areia com o carrinho de passeio numa mão, o tapa-sol noutra, dois sacos pendurados um em cada ombro e o olhar de desespero quando se dá conta de que ainda vai precisar de carregar aquilo durante algum tempo porque a mamã que leva o bebé ao colo está há 5 minutos a escolher o spot perfeito para criar o ninho perfeito para o seu bebé ter o dia perfeito na praia, enquanto o papá está prestes a ter um ataque de coração tal é o esforço físico de carregar toda a tralha - da qual já sabemos que só vai ser utilizado 5%.

Vejo aqueles papás e mamãs e rio-me num misto de compreensão e gozo porque sei o que estão a sentir - been there, done that. E fico com vontade de ir na sua direcção e dizer-lhes que não vale a pena passarem tanto tempo em casa a preparar tantos sacos e trazerem tanta coisa para a praia. Mas não faço isso. Porque tenho a certeza de que iriam ficar ofendidos comigo. Porque na sua óptica eles assumem que tudo é absolutamente essencial e se não o é agora, pode sê-lo em algum momento do dia. E educadamente iriam mandar-me "dar uma volta ao bilhar grande". Eu sei que o fariam porque eu, à 11 anos atrás, de certeza que o faria também.

Só a vivência das coisas faz com que compreendamos o que é essencial. Como na vida...

A MULHER ANGOLANA E A SUA FORÇA

Tela representando as "Zungueiras" no seu dia a dia.
Créditos: angola-africa.forum-ativo.com

Angola encerra em si diversos contrastes, mas a um sou particularmente sensível: a exaltação na sociedade da mulher angolana como mulher forte e guerreira, ao mesmo tempo que lhe impõe diariamente diversas dificuldades para conseguir igualdade de direitos juntamente com os homens.

Em Angola comemora-se a 2 de Março o Dia da Mulher Angolana. O Dia da Mãe também é celebrado por estes lados, mas a celebração do Dia da Mulher Angolana assume uma importância superior pelo reconhecimento do seu papel activo na luta de resistência do povo angolano contra a ocupação colonial portuguesa, como por exemplo a rainha Ginga Mbandi, num passado longínquo, e num passado recente Deolinda Rodrigues, Irene Cohen, Engrácia dos Santos, Teresa Afonso e Lucrécia Paim, para citar apenas alguns nomes.

Em 1962 foi criada a OMA - Organização da Mulher Angolana - como ala feminina do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que desenvolveu uma influência crucial no apoio às forças guerrilheiras, dentro e fora de Angola. Actualmente, a OMA é a maior organização social do país, com mais de dois milhões e quinhentos mil membros enquadrados em mais de 49 mil secções no interior e exterior do país.

Não obstante o que se faz no terreno por esta e outras organizações similares, há a consciência geral de que a mulher angolana continua ainda a enfrentar inúmeros problemas para a sua plena emancipação, como o alto grau de analfabetismo, a desigualdade nas oportunidades de emprego e de ascensão sócio-profissional e a violência doméstica sistémica.

Principalmente nos meios rurais, persiste ainda uma cultura tradicional de socialização das crianças, em particular das crianças do sexo feminino, apoiada na discriminação da mulher no que ao seu papel na sociedade e no seio da família diz respeito. 

Não é fácil ser mulher em Angola. Para a grande maioria das mulheres, ser mulher em Angola é ser a dona de casa que sustenta a família e que suporta o marido agressivo, que por vezes é polígamo - uma condição própria e cultural nos países de África. 

No entanto, quase paradoxalmente, a mulher angolana é retratada e celebrada como a mulher forte, a guardiã e protectora da família e do lar.

É por isso que quando vejo na rua as zungueiras - as mulheres que vendem na rua os mais variados artigos (com uma margem de lucro ínfima...) - com um filho às costas e a enfrentar 12, 14 e 16 horas de trabalho por dia, todos os dias, 7 dias por semana, a minha reacção é de admiração, de profunda admiração. 

Na Europa debate-se - e muito justamente - o direito a 6 meses de licença de maternidade em detrimento dos actuais 5 meses mas por aqui... por aqui não há licença de maternidade para muitas mulheres. Se não trabalharem, nem que seja por alguns dias, os seus filhos passam fome. Literalmente. E no entanto, apesar de tantas dificuldades que enfrentam, é fácil encontrar-lhes no rosto a doçura e no sorriso o carinho que nutrem pelos seus filhos e família.

São guerreiras sim estas mulheres angolanas. São resilientes, corajosas, fortes sim estas mulheres angolanas.

Eventualmente algumas destas mulheres não acreditarão que possuem tamanha força interior. Mas esse pormenor não lhes tira nem uma grama. São um exemplo estas mulheres. São sim.

EU TENHO MUITO E TU NADA - A PARVA DA DICOTOMIA

"O que é Dicotomia:

Dicotomia é a divisão de um elemento em duas partes, em geral contrárias, como a noite e o dia, o bem e o mal, o preto e o branco, o céu e o inferno, etc..

Com origem no grego dikhotomía, uma dicotomia indica uma classificação que é fundamentada em uma divisão entre dois elementos.

No contexto do direito, muitos autores abordam a dicotomia entre direito público e privado.

Em botânica, também acontece a dicotomia, onde há a divisão de uma célula em duas, dando cada uma, origem a outras células. Ainda na botânica, a tricotomia indica um órgão de uma planta que é subdividido em três.

Há a falsa dicotomia, que mostra uma situação com dois pontos de vista alternativos, e são colocados como se fossem as únicas opções , quando na realidade podem existir outras opções que não foram levadas em consideração, ou podem as duas ser escolhidas juntos."
in http://www.significados.com.br/dicotomia/


Em todas as partes do mundo há desigualdades de vários tipos: sociais, de género, de oportunidades no mercado de trabalho, de acesso a educação, etc.. Enfim... Em todas as partes do mundo.

Mas eu só conheço uma ínfima parte deste nosso mundo: o meu Portugal e agora a minha Angola.

E nesta agora minha Angola, especificamente em Luanda, os contrastes sociais e económicos são visíveis diariamente e a olho nu. Sem hipótese de olhar para o lado e fingir que não se vê. Sem possibilidade de alegar desconhecimento.

Diariamente vejo automóveis a circular cujo valor de compra é 20 vezes superior ao salário mínimo angolano. E vejo muitos automóveis desses. Muitos.

Diariamente também, vejo crianças a brincar na rua com roupa inequivocamente gasta. Demasiadas.

Vejo também diariamente mulheres a carregar mercadoria para venda na cabeça enquanto carregam nas costas o seu bebé, para no final desse dia ganhar apenas o suficiente para colocar uma refeição na mesa à noite.

E diariamente também observo homens e mulheres com roupas, calçado e acessórios de preço tão elevado quanto baixo é o valor de compra do chinelo que outros homens e mulheres usam.

Esta é a dicotomia visível, nua e crua a que assisto diariamente por estes lados. Mas esta não é a dicotomia que mais me choca.

A que mais me choca é a outra, a falsa. A crença na falsa dicotomia social de que existem estados sociais imutáveis, de que é impossível almejar ter uma vida melhor, de que é impossível aos que usam o chinelo barato também poderem um dia vestir e calçar aqueles artigos que para a maioria das pessoas custam o equivalente a um ano de salário. Ou seja, de que quem é rico assim o será sempre e quem é pobre assim o será sempre também, como se essa fosse a ordem natural das coisas...

E a seguir a esta dicotomia falsa, o que mais me choca é a crença de superioridade de alguns sobre os demais, apenas porque pertencem a uma classe social dita "mais alta" ou porque têm muito mais dinheiro do que esses demais; é a crença de que nada podemos fazer para alterar o lado onde nos situamos na sociedade. E que temos de nos resignar a este estado imutável das coisas e aceitar apenas o que vier. Mesmo que a miserabilidade seja o que vier.

Estas crenças são interiorizadas desde tenra idade e têm o potencial de se perpetuar inevitavelmente. 

Até que alguém demonstre o contrário...

24 DE MAIO 2015 - O DIA EM QUE O IMPENSÁVEL COMEÇOU

No dia anterior tinha levado a minha mãe à sessão de apresentação de um livro infantil de uma pessoa minha conhecida. Com ela e com os meus filhos passamos uma tarde relaxada e um final de dia tranquilo.

No dia seguinte fui sozinha com os miúdos ao Mini NOS Primavera Sound - uma indisposição de ultima hora impediu o meu afilhado e compadres de irem comigo. Ainda pensei em não sair de casa pois nunca tinha ido sozinha com os meus três filhos a um evento, uma adulta para três crianças pode bem ser "areia de mais para a minha camioneta", pensei eu. Mas antecipava-se uma tarde tão gira para nós... a lancheira já estava preparada... os miúdos empolgados por irem ao seu primeiro "Festival de Verão"...

Decidi ir, com a certeza de que se acontecesse alguma coisa e precisasse de ajuda, era só pegar no telemóvel e ligar para alguém.

Quando cheguei ao recinto do Festival dou-me conta que o telemóvel tinha ficado esquecido em casa. Mas não fiquei preocupada. Sem perceber muito bem como, sentia-me descontraída e alegre por proporcionar aquela experiência aos miúdos - estavam a vivenciar uma tarde bem diferente num parque fantástico, a ouvir boa música e a fazer actividades super interessantes. E estava sozinha com eles. Mas tranquila.

Como nessa tarde não tinha o telemóvel comigo, não atendi as muitas chamadas que o meu irmão e cunhada fizeram. Não ouvi as chamadas de voz desesperantes que deixaram. Não li as mensagens de aflição que escreveram. Só quando cheguei a casa, já passava das 23H00, é que vi e li tudo isso. E ouvi, quando o meu irmão finalmente consegue falar comigo: "A mãe está no hospital. Desmaiou esta tarde. Suspeita-se que tenha sido um AVC."

E pronto. A partir das 23H00 do dia 24 de Maio de 2015, dei-me conta que enquanto eu estava a divertir-me com os meus filhos no Parque da Cidade em Matosinhos, o cérebro da minha mãe dava o primeiro sinal de que o principio do fim tinha despertado, num workshop de pintura em Oliveira de Azeméis.

A partir desse dia e até ao dia 16 de Julho, foram só altos e baixos de esperanças ganhas e perdidas, de expectativas geradas e frustradas, de angustias escondidas e desesperos mascarados para não desanimar a minha mãe, de aflições e tristezas por ver a vida a fugir-lhe do corpo, a fugir-lhe do pensamento, a esvair-se rapidamente num rol de limitações e complicações médicas. 

A serenidade não teve qualquer hipótese de se chegar perto da minha mãe nem dos seus filhos à medida que, sem que nenhum de nós o dissesse em voz alta ou ousasse sequer pensá-lo por mais do que dois segundos, nos íamos dando conta da chegada do final.

Porque até ao ultimo segundo do ultimo dia, ainda não tínhamos aceitado que o impensável iria mesmo acontecer.

Tenho muitas saudades tuas, mãe...

Nascer antes do tempo para ensinar

Vi no outro dia numa rede social um video que mostrava a evolução, durante um ano, de um bebé nascido prematuro. Tinha nascido 4 meses antes da data ideal...

Esta realidade é-me próxima não porque eu tenha passado por isso com algum dos meus três filhos, mas porque a uma pessoa muito próxima de mim isso lhe aconteceu. Estava já eu em Angola. Sem possibilidade de correr imediatamente para junto dela e a ajudar a lidar com esse momento. Sem possibilidade de lhe poder limpar as lágrimas e a amparar no meu colo.

Acompanhei as suas angústias ao longe. Através de mensagens trocadas. Através do sentir do seu coração. Através das milagrosas fotografias que me enviou.

Talvez por tudo isso eu não consiga imaginar como será ser mãe antes do tempo. Como será ter planeado e gerido expectativas tendo em conta de que as coisas iriam decorrer de uma certa forma e dentro de um certo tempo e depois, de repente e sem que nada o fizesse prever, o mundo desaba à nossa frente e o nosso bebé, antes protegido dentro da nossa barriga, está agora cá fora a correr potencial perigo de vida. 

Não consigo imaginar como se consegue lidar com as ansiedades de saber que por ter nascido prematuro, o nosso bebé pode ficar com mazelas a nível neurológico e/ou físico.

Não consigo imaginar como se consegue arranjar forças para, apesar da profunda aflição e terror sentido por se saber que o nosso bebé luta pela sua vida, olharmos para ele na incubadora, cheio de tubos e fios, e ainda assim nos conectarmos imediatamente a ele e sabermos logo ali - logo ali - que um amor incondicional e inesgotável brota do nosso coração na sua direcção. E que o nosso bebé  o recebe e o sente a cada palavra de amor sussurrada, a cada miminho dado na sua mão minúscula, a cada caricia feita na sua cabecinha quase totalmente tapada por ligaduras.

A estas mães e pais que passam por todo este sofrimento a minha vénia: são pais/mães-coragem! A partir desse momento, e embora possam não o sentir no imediato, revelaram que são mais fortes do que alguma vez poderiam imaginar, são mais resilientes do que acreditavam ser e têm mais amor nos vossos corações do que achavam sentir - amor incondicional e infinito!

A estes bebés-milagre a minha admiração: tão pequeninos mas a manifestarem desde logo a vossa grandeza, pois a vinda antecipada não foi mais do que uma lição de coragem para vocês, mas principalmente para os papás que vocês escolheram.

Todos vocês são Heróis!

Porque tudo acontece por uma razão. E em tudo o que nos acontece, retiramos sempre aprendizagem, força e resiliência. Mesmo que não o sintamos no momento. Mas assim é. 

E sim Amiga, este texto é para ti. Porque te admiro muito!

Quem quiser visualizar o video que inspirou este texto pode aceder aqui.

EU SINTO-ME BONITA AQUI



A propósito de um desafio numa rede social que consistia em publicar fotografias onde sentíssemos que estávamos bonitas, publiquei esta.

Tirada no inicio de Janeiro de 2016, esta fotografia mostra como fiquei uma semana após ter decidido cortar o meu cabelo que exibia já uns bons 35 cm de comprimento. Gostei logo dela porque me fez lembrar certas modas dos finais dos anos 60 do século passado como os óculos grandes, salientados mais ainda pelo cabelo curto. 

Gostei de imediato desta fotografia. Mas não de mim nela. O que é um paradoxo já que sou eu a figura central da mesma...

Não gostei de mim na fotografia porque, basicamente não estava a gostar muito de mim na altura em que ela foi tirada. Falta de confiança, extremo cansaço, muitas saudades da terra natal, sensação de falta de chão firme...

Mas agora que esses tempos negros vão desaparecendo a passos largos, cada vez que olho para a fotografia sinto-me aguerrida, corajosa, confiante, audaz, capaz de enfrentar tudo e todos... e bonita.

A fotografia obviamente não mudou desde Janeiro até agora. O meu olhar sobre ela sim, mudou - um olhar mais suave, cúmplice, de perdão, de envolvencia, de aceitação e de admiração - por quem sou, como sou e para quem caminho ser.

NUMA SEMANA PODE ACONTECER TUDO!

Estive dentro de um avião 8 horas, aterrei em Portugal, chorei de alegria quando vi os meus sogros à minha espera, tomei no colo pela primeira vez uma bebé muito especial, dei muitos abraços apertados para mandar embora as saudades, contive algumas lágrimas por timidez, larguei outras tantas para deixar entrar a alegria de rever corações, perdi o controlo emocional perante a visão de um filho adormecido numa sala de operações, toquei em algumas campainhas, geri a tristeza de não ter conseguido tocado noutras, dei a conhecer de perto a minha voz à sobrinha que aí vem, surpreendi-me por verterem lágrimas por mim, conversei muito, conectei-me novamente com quem já não estava à algum tempo, mantive Luanda sempre perto de mim, senti que o meu ninho começa a estar aí, voltei a estar dentro de um avião 8 horas. Voltei a casa. 

Tudo isto em 7 dias. 

Foi uma semana em grande...

O DESFALECIMENTO

O desfalecimento é uma queda. Perdemo-nos, alheados da realidade, num sono confuso e atribulado. O olhar fica turvo, a única pessoa à nossa frente passa a ter 4 cabeças e múltiplos braços. Queremos fugir da cama mas o corpo não segue as ordens do cérebro. O olhar começa a ficar vazio. Demora-se a formular uma frase dita normalmente num segundo. Pedimos ajuda. Pedimos ajuda com o chamamento pela mãe, com o agitar do corpo, com a solidão que toma conta da mente enquanto perdemos os sentidos...

Isto é o que imagino que o meu filho tenha sentido e pensado nos 5 minutos que a anestesia geral precisou para cumprir a sua função. Isto tudo foi o que senti ao ver o meu menino adormecer na sala de operações enquanto me convidavam a sair da sala.

O desfalecimento é uma queda: uma queda para a terra que não tem sonhos, que não tem cores, que não tem sons, que não tem vida pulsante.

E por milésimos de segundo - milésimos! - senti a culpa que não faz sentido pesar neste coração de mãe. Porque nessa queda eu fui mera espectadora da ida para o abismo e sem permissão de estender a mão para o salvar.

A PULSÃO DA ESCRITA

Créditos: www.reinaldosantos.com.br

Para mim escrever é um ato tão intuitivo como imprescindível para a minha sanidade mental.

Serve muitas vezes de válvula de escape, outras tantas de organizador de ideias e emoções. Mas é sempre, sempre! um exercício de completa vulnerabilidade e dor.

Vulnerabilidade porque me exponho ao mundo. E a mim.

Dor porque quase sempre as palavras não saem, embora me pressionem para que eu as faça sair. Mas a muito custo. Saem sempre a muito custo. 

No entanto, no dia seguinte volto a fazê-lo. E no dia a seguir, e no outro, e no outro...

Escrever é essencialmente um ato cerebral. Implica conectar-me com o que estou a sentir, implica conectar-me com o que outros estão a sentir, implica comprometer-me com o que quero transmitir e com o nível de ajuda que quero proporcionar.

E como preciso de pensar, e como isso muitas vezes me cansa, há dias em que não escrevo nada. Durante dias seguidos. 

Nesses dias em que rejeito a minha pulsão cerebral de escrever dedico-me com afinco aos meus crafts, às minhas manualidades com papel. Para usar as mãos e desligar o cérebro. Preciso muitas vezes de desligar o cérebro. Preciso muitas vezes de não pensar.

Nestes ultimos dias tenho-me deliciado com manualidades. Tenho estupidificado com cortes e tesouras e colas e afins. O cérebro estava em stand-by. Que bom este descanso.

Mas as palavras continuam aqui, a pressionarem a saída. Têm de sair. 

Posso estar longe, mas nunca fico por muito tempo.

CARTAS PARA A MINHA MÃE #2

Mais uma netinha, já viste? 

Estás contente não estás? 

Eu sei.

CARTAS PARA A MINHA MÃE #1

Podias estar aqui a molhar os teus pés na chuva que cai furiosamente pelo meio do calor sufocante. Podias estar aqui a cheirar o aroma desta terra de que tanto falaste e do qual tinhas tantas saudades. Podias estar aqui a comer a sopa que fiz com Gimboa, o espinafre cá do sitio e que provavelmente à 55 anos atrás já tinhas provado na sopa feita pela tua mãe. E à medida que ias saboreando a sopa com Gimboa feita por mim, ias recordar-te da tua meninice e de quando comias a sopa feita pela tua mãe neste lugar. Podias estar aqui a contar-me as traquinices que fizeste quando tinhas a idade do meu P. ou da minha M.. Podias estar aqui neste momento sentada comigo no pátio, a apreciar o chilrear dos passarinhos que agora sobe de tom porque a chuva finalmente deu tréguas.

Podias... mas não estás. Pelo menos fisicamente. Não ouço a tua voz, mas sinto a tua presença aqui. E por vezes isso basta-me. Mas outras vezes tantas, não.

Podias estar aqui em carne e osso... e não estás. E isso doí como o catano. Que remédio tenho eu de continuar aqui, apenas te sentindo. E isso vai bastando. 

Mas gostava, nem que fosse por um segundo, que molhasses os pés, nesta chuva, comigo. Ia saber tão bem, não ia...?

RECORDAÇÕES DE INFÂNCIA E A MINHA AVÓ MATERNA

Ultimamente a minha avó materna tem vindo à minha memória com mais frequência do que o habitual. Talvez porque estou actualmente a morar numa terra onde ela já esteve e morou, à quase 80 anos atrás. 

Foi na década de 40 do século passado que a minha avó viajou de Portugal para Angola para se juntar ao marido, o meu avô, que tinha viajado meses antes no âmbito da politica de colonização do Estado Português, quando Angola ainda era uma colónia de Portugal.

Talvez por isso ela me visite mais vezes nas minhas recordações. Talvez...

A última recordação dela apanhou-me à dias de surpresa pois pertence à minha infância e pré-adolescência: cevada acompanhada de torradas feitas em frigideira no fogão e sopa às 4 da tarde.

Não sei qual foi o "gatilho", mas de repente lembrei-me do quanto adorava tomar o pequeno-almoço na sua casa quando era bem pequena: ela punha uma cafeteira alta (daquelas de metal que se amassava toda quando caía ao chão) ao lume com água e quando esta começava a ferver, desligava o lume e deitava três colheres de sopa bem cheias de cevada em pó, da marca Delta - tinha de ser aquela marca, para a minha avó era a cevada mais saborosa - mexia bem e deixava o pó assentar. Enquanto o pó da cevada assentava na cafeteira, a minha avó colocava uma frigideira em ferro, com picos na base utilizável, ao lume no fogão, partia três moletes  - pão de trigo pequeno - a meio e torrava as metades nessa frigideira. Cada metade ficava com uns pontos negros maravilhosos - culpa dos tais picos que a frigideira tinha - e com um sabor extraordinário, irreproduzível por qualquer outra torradeira convencional!

A minha avó não precisava de me chamar duas vezes para eu vir para a cozinha tomar o pequeno-almoço: assim que cheirava a cevada acabada de fazer e o pão torrado ainda quentinho voava para a mesa da cozinha! 
Depois era o delírio: a margarina a derreter no pão, a chávena a aquecer com a cevada coada através de um pano de algodão e o bocadinho de leite a transformar a cevada na meia-de-leite perfeita! 
E ali ficávamos as duas, eu e a minha avó, a saborear aquele pequeno-almoço muito simples mas que me sabia da pura vida, porque era a minha avó que o preparava, especialmente para mim. Lembro-me do seu olhar de serena alegria ao ver-me tragar a meia-de-leite e devorar as quatro metades de pão torrado carregadas de margarina (sim, eram três moletes - um para a minha avó e dois para mim!) com grande satisfação. É das recordações mais singelamente bonitas e doces que tenho da minha infância...

A sopa às 4 da tarde... bem, a recordação da sopa às 4 da tarde é também umas das que guardo com muito carinho: por volta dos meus 12 anos a minha mãe, até à data doméstica, resolve ter um emprego em part-time que implicava chegar a casa por volta das 20H00. A minha avó, que morava a cerca de 15 minutos a pé de minha casa, ia lá todos os dias para tomar conta de mim e do meu irmão . Para ajudar a minha mãe, a minha avó preparava à tarde uma grande panela de sopa para acompanhar o nosso jantar. Lembro-me como se fosse hoje de no verão me sentar com a minha avó no degrau da porta da cozinha, que por ser de mármore era fresquinho, cada uma segurando a sua tigela cheia de sopa acabadinha de fazer. E não era uma sopa levezinha, era daquelas com uma base grossa de batata e feijão e com muito "entulho" - o que nós chamávamos à enorme quantidade de couves que a sopa levava, tudo regado com uma generosa quantidade de azeite. A sopa feita pela minha mãe era muito saborosa mas aquela sopa, feita pela minha avó... era inigualável!

Verão e tigela de sopa quente às 4 da tarde parece algo completamente estranho e impensável. Bem, só posso afirmar que era o melhor dos lanches! Porque era a sopa feita pela minha avó e porque eu a devorava, acabadinha de fazer, na sua companhia....

É curioso que coisas tão simples como estas despertem tão boas sensações e fortes lembranças de alguém. 

Graças a ti Avó! Graças a ti...

EU, TU E NÓS - AS VÁRIAS ESFERAS PESSOAIS E A RELAÇÃO A DOIS


aqui falei sobre o nosso núcleo, sobre sabermos qual é a nossa essência sem a "máscara" dos vários papeis sociais por nós assumidos.

Hoje falo da vulnerabilidade e tentação de nos "perdermos" numa relação a dois, sob a premissa de que se unificarmos interesses, passatempos, opiniões, sonhos e desafios, a relação a dois é verdadeiramente de partilha e tem mais probabilidades de se prolongar no tempo. 

Pois... sabem aquele desejo romântico de encontrar a "alma gémea" e viver feliz para sempre? É uma treta! A sério, é! 

Encontrar a alma gémea implicaria encontrar alguém exactamente com os mesmos gostos pessoais, a mesma opinião sobre como viver a vida, a mesma opção clubística, politica, religiosa, os mesmos sonhos, a mesma visão de si e do mundo. Alguém interiormente igualzinho a si. Impossível! Cada um de nós é único e assim como não há duas impressões digitais iguais, também não há duas pessoas com núcleos exactamente iguais.

Mas... vamos imaginar que até há, vamos imaginar que duas pessoas, pela arte do divino ou sei lá o quê, pensam exactamente da mesma forma, sentem o mundo exactamente da mesma maneira, têm exactamente os mesmos sonhos e vivem os seus dias exactamente na mesma frequência. E que esses dois "gémeos" se encontram, se apaixonam e decidem iniciar uma relação a dois. Vamos lá imaginar isso. Que futuro prevêem para essa relação...?

Eu não prevejo um futuro risonho. Nem sequer um futuro a curto prazo. Porquê? Porque cada um desses gémeos não tem a capacidade de trazer nada de novo, desafiante e diferente para a relação. Seria quase como namorarmos connosco, uma vez que o outro é exactamente como eu. Então, para que preciso do outro, se ele não me traz nada de novo, não me desafia, não me traz nada que eu já não tenha...?

É, naturalmente entre outras factores, pelo facto de vermos no outro a possibilidade de sermos desafiados que se desperta em nós o interesse - a hipótese de sermos deslumbrados, arrebatados, conquistados por alguém diferente de nós. É claro que o aspecto físico é o primeiro "isco", mas depois o que sustenta uma relação que se queira duradoura não é o aspecto físico, mas sim quinhentas mil outras coisas que não se vêem através do olhar... 

Então como é que uma relação a dois, com diferentes interesses, opiniões, opções clubisticas, etc., pode resultar? Através da cedência. Mas não uma cedência qualquer! Falo da cedência da nossa vontade em dominar o outro, em retirar poder ao outro. Ceder no aspecto de contrariar a vontade em mudar o outro para ser mais parecido connosco e aceitar, abraçar o que nele difere de nós. Pois foi essa diferença que fez com que nos apaixonássemos por ele em primeiro lugar...

O que muitas vezes - demasiadas vezes - acontece é que se assiste a um enriquecimento do "NÓS" à custa do "EU". E do "NÓS" e do "TU" à custa do "EU".

Se deixa de existir o "EU", o "TU" até pode existir, mas lenta, progressiva e quase fatalmente deixa de existir o "NÓS". E se deixa de existir o "NÓS", mais cedo ou mais tarde o "TU" vai à sua vida. E como fica então o "EU", que entretanto deixou de existir porque se entregou totalmente e se deixou absorver totalmente pelo "NÓS", que já não sabe quem é e o que fazer com a sua vida?

Assistimos muito a esta situação nas mulheres que assumiram o seu papel de mães toda a sua vida mas que permitiram que só esse papel as definisse, negligenciando o seu feminino, negligenciando a sua pessoa, deixando para trás tudo o resto (até o seu casamento) e que depois, quando os filhos "saem do ninho", vêem-se confrontadas com o vazio interior, com um casamento só no papel, com a tristeza de não saberem o que fazer dali em diante. Porque se esvaziaram totalmente no papel de mães, porque não cuidaram do seu "EU"...

Qual é o segredo então? Não sei se existe um "segredo". Só sei que se eu gosto de decorar blocos de papel, o meu marido não tem de se sentar ao meu lado e cortar alegremente flores e bonecos de papel. Ele não acha piada nenhuma a manualidades em papel. E está tudo bem. Eu não acho nada interessante estar 90 minutos em frente à televisão a ver um jogo de futebol, portanto enquanto o marido faz isso, eu vou ler um livro ou fazer outra coisa qualquer nesse período de tempo. E está tudo bem. Não temos de estar sempre juntos, de fazer as mesmas coisas e pensar da mesma forma, caso contrário era uma valente seca! 

O desafio está em salientarmos as nossas diferenças, ao mesmo tempo que celebramos as diferenças do outro. Como? Respeitando, dando espaço, ouvindo, falando, exigindo. E ao mesmo aceitando. Fácil? Nem por sombras! Mas é este o caminho a seguir para o "EU", o "TU" e o "NÓS" chegarem juntos a "velhinhos"...

WHAT'S YOUR GREATEST FEAR, MR. CRUZ?

Estou a estupidificar em frente à televisão às 3 da manhã. Estou a visionar o filme "Coach Carter - Treino para a Vida" que estava para mim a valer a pena só pelo actor principal - Samuel L. Jackson.

Mas a cena em que um dos seus alunos recita parte de um texto de Marianne Williamson faz-me sentir uma privilegiada por estar acordada àquela hora, porque a mensagem desse texto é de tal forma omnipresente e com um potencial transformador tão forte, que não se explica. Apenas se sente. E se permite que se liberte dentro de nós:

Qual é o teu maior medo?

O nosso maior medo não é
sermos inadequados.
O nosso maior medo é
sermos infinitamente poderosos.
É a nossa própria luz, não a nossa
escuridão, que nos amedronta.
Sermos pequenos
não engrandece o mundo.
Não há nada de transcendente
em sermos pequenos,
para que os outros não se
sintam inseguros ao nosso lado.
Todos estamos destinados a brilhar,
como as crianças.
Não apenas alguns de nós,
mas todos.
E, enquanto irradiamos
a nossa admirável luz interior,
inconscientemente estamos a permitir
aos outros fazer o mesmo.
E, quando nos libertarmos
dos nossos próprios medos,
a nossa presença automaticamente
libertará os medos dos outros.

Trecho do Filme "Coach Carter - Treinando para a vida"
Texto original de Marianne Williamson in "Regresso ao Amor", 1992

A SOMBRA DENTRO DE NÓS

Créditos: vivendoatransicao.wordpress.com

Cada um de nós encerra em si medos, rejeições e estereótipos, muitos deles sobre si mesmo. E como somos animais sociais, o desejo de enquadramento sobrepõe-se à devida aceitação de quem nuclearmente somos, se acharmos que quem somos vai contra o que é socialmente aceitável. E por isso reprimimos. Reprimimos quem no âmago somos, o que visceralmente sentimos, o que intrinsecamente pensamos sobre nós e os outros.

Toda a energia imbuída nessas rejeições, medos e repressões não se evapora simplesmente. Ela fica guardada nos recônditos e profundos espaços da nossa mente. E como numa panela de pressão, quanto mais aprisionada e comprimida esta energia estiver, mais força terá quando se manifestar no eu consciente. Esta energia denomina-se, na Psicologia Analítica de Carl Jung, de "Sombra".

Não é possível eliminar a "Sombra". Todos a temos. Todos a temos de ter, já que pessoas sem medo não sobrevivem muito tempo e o enquadramento numa sociedade implica sempre recuar nos nossos impulsos e adequar as nossas acções para que possamos respeitar o outro e a sua liberdade.

Mas quando rejeitamos totalmente esse nosso lado mais escuro, estamos também a impedir que a luz da clareza e da aceitação chegue até ele. Geralmente temos um medo enorme de olhar para dentro de nós e de vermos como realmente somos. Despendemos quantidades massivas de energia a escondermos-nos de nós próprios e muitas vezes preferimos projetar no outro o que rejeitamos em nós.

O segredo está em olharmos para o nosso interior e compreendermos que quem somos não é bom ou mau, é apenas o que somos. Esse "olhar para dentro" faz parte de algo maravilhoso chamado "auto-conhecimento". Difícil de fazer. Dura a vida toda. Mas se só fazendo isso podemos sentir bem na nossa pele e viver uma vida serenamente em paz, então que seja!

HÁ DIAS EM QUE...

Créditos: russianmind.eu

... me sinto a estranha no meio de um grupo, a única a pensar de uma certa forma e a ver a realidade de um prisma totalmente diferente dos restantes.

Tenho muitos dias desses. E não é nas grandes questões. É nas pequenas coisas do mundo.

E às tantas são tantos os dias assim que num determinado momento começo a duvidar de mim própria... 

Fazer parte da "normalidade" ou assumir a "diferença"? O que é mais fácil? O que faz mais sentido? Será que sequer perguntar faz sentido...?

A LEVEZA DAS LÁGRIMAS

Créditos:www.projetoalchimac.org

Lágrimas. Muitas vezes vistas na nossa sociedade como sinal de fraqueza. Como sinal de que não aguentamos a pressão. Como prova de que não temos o que é preciso para lidar com os desafios da vida.

"O homem não chora", "A criança que está sempre a chorar tem mimo a mais ou é birrenta", "A mulher de lágrima fácil é frágil". Soam familiares estas frases? Já alguma vez foram dirigidas a ti ou a alguém que conheces?

Pois... 

Cresci a vivenciar estas "verdades". Mas agora, já adulta e a meio do caminho para completar a minha 41ª volta ao sol, comprovo que a lágrima e o acto de chorar são na realidade algo bem diferente do que me fizeram acreditar antes: chorar lava a alma e alivia o peso nos ombros que muitas vezes sentimos! E permitirmo-nos chorar à frente do outro mostra a nossa vulnerabilidade que, ao mesmo tempo, é a nossa força (falo disso aqui).

Chorar derruba os muros invisíveis que erguemos para nos isolarmos do resto de mundo, amacia a nossa raiva, sensibiliza-nos para a dor do outro, clareia e limpa os buracos negros que muitas vezes nos atormentam. 

Chorar permite-nos sentir as emoções, sentirmo-nos vivos.
(quando muitas vezes queremos sentir nada...)

E se nos permitirmos sentir, as lágrimas serão mais frequentemente de alegria, de sentido de missão cumprida, de felicidade. 

Chorar pode muito bem ser uma excelente forma de começar o nosso dia...

ÁS VEZES É PRECISO ESTUPIDIFICAR

Passei 2 anos e meio sozinha, a cuidar de três crianças a tempo inteiro. Cuidei da minha mãe doente durante meses. Assisti ao seu funeral. Destralhei duas casas em mês e meio: a da minha mãe e a minha. Preparei 16 malas para viajar. Mudei-me para outro país. Estive 5 meses numa casa a ser professora, monitora de ATL e mãe 7 dias por semana, 24 horas por dia.

Estou cansada. Não... estou exausta! Muitas horas de preocupações, muitos dias a sentir-me assoberbada, muitos meses a tentar aguentar-me "à tona". Estou exausta...

Agora que a criançada já iniciou a sua rotina da escola e eu posso estar só comigo e os meus pensamentos por umas horas durante o dia, a única coisa que me apetece fazer é não pensar. Em rigorosamente nada! Apetece-me apenas sentar-me em frente ao televisor durante o dia e ver todas as séries de televisão ranhosas, todas as novelas vazias de conteúdo e todas as parvoíces que passam no noticiário já processadas e devidamente mastigadas. Para não custar a engolir. Para não pensar sobre.

E por vezes, à noite, fico em frente ao televisor até altas horas, completamente sem sono. Adoro! Porque gozo o silêncio da casa e da minha cabeça; porque a essa hora ninguém está a chamar-me para ajudar a apertar a sapatilha ou vestir a camisola; porque ninguém está a exigir a minha atenção ou a cobrar-me tarefas. Sou só eu, a escuridão da sala e a luz da televisão. 

Por estes dias apetece-me não pensar. Apetece-me estupidificar. Para ver se o meu cérebro faz reset e se recarrega novamente. Sem culpas, sem remorsos. Só estupidificar. Só isso...

É PRECISO IR EMBORA...

Nada é por acaso, por mais que queiramos desacreditar este facto. E numa altura em que tomo consciência de que preciso de baixar as resistências e usufruir ao máximo da terra onde estou actualmente, este texto do site Já Foste vem parar-me às mãos...




A VULNERABILIDADE TORNA-NOS MAIS FORTES

Créditos:markmanson.net

Nunca vou esquecer uma troca de emails entre mim e outros pais do Grupo de Desenvolvimento Parental em que participei em 2014, o Grupo de Pais (mais informação aqui), a propósito da organização de um fim de semana de campismo, em que a ideia era basicamente levar um grupo de adultos e respectiva prole a acampar num fim de semana e trocar experiências sobre a parentalidade vivida por cada um. 

Nessa altura eu ainda estava a viver em Portugal sozinha com os meus três filhos. E à medida que se iam trocando emails sobre o numero de itens a levar para o campismo, a comida a comprar, as horas a combinar para iniciar a viagem, etc., ia crescendo dentro de mim um imenso pânico. Pânico daqueles que paralisa, que mete tanto medo, mas tanto medo... que só nos apetece fugir dali sem olhar para trás.

Lia um email e ficava sem ar. Lia outro email e começava a imaginar que desculpas esfarrapadas mas convincentes poderia dar ao Grupo para não embarcar naquela viagem. Lia outro email e pensava que estava a ser uma histérica porque aquela viagem ia ser divertida para os miúdos e também para mim.

Mas o pânico não arredava pé...

É que à mais de 15 anos que eu não fazia campismo. Sabia lá eu agora montar uma tenda! E nunca tinha ido acampar com os miúdos. Sentia, naquela altura, um medo enorme de não conseguir tomar conta das crianças num ambiente radicalmente diferente do que estão habituados (crianças de cidade...), de não me sentir confortável com os outros pais, de me faltarem as forças, de não ser uma boa companhia...

Já estava pronta para enviar um email com uma qualquer justificação mal-amanhada para me escapulir desta situação que tanto me estava a assustar e que não estava a saber gerir. Mas eis que...

... o meu coração - sei lá como! - manda o meu cérebro sair daquele "ciclone" e parar de pensar! Respiro fundo. Lembro-me do âmbito do Grupo de Pais. Vejo as caras daqueles adultos que, tal como eu e juntamente comigo, partilharam angustias, ansiedades, duvidas, experiências caricatas e lições de vida. 

Relaxo. Respiro fundo. E peço ajuda a todos eles. Confesso-lhes as minhas angustias, assumo perante eles o meu pânico e digo-lhes que me estou a sentir terrivelmente desorientada. Peço-lhes o seu apoio. No fundo, peço-lhes que me carreguem no colo. 

Imediatamente após carregar no "Send" do correio electrónico, penso: "Mas que raio acabei eu de fazer?! Vão achar que sou totalmente maluquinha e uma histérica de todo o tamanho! Acabei de me expor totalmente a estas pessoas, acabei de me colocar numa posição totalmente vulnerável..."

Estupidamente, estava com medo de receber frases trocistas ou falsamente encorajadoras. Mas o que recebi de volta foi amor, compreensão e uma rede de apoio disponível para me ajudar naquele e em todos os momentos.

A dificuldade que muitos de nós experienciam no momento de expor as suas fraquezas e mostrar a sua vulnerabilidade advém do medo visceral de serem magoados. De se aproveitarem de nós. De nos acharem fracos e dispensáveis. De não sermos amados.

Mas a Vida, com todas as pessoas maravilhosas que dela fazem parte, tem-me ensinado que a minha vulnerabilidade só me tem tornado mais forte. A partir do momento em que eu assumo perante mim e os outros que sinto medo, que estou assustada e que preciso de ajuda, eu recebo sempre compreensão, apoio, amor e ajuda. E crescimento pessoal.

Porque ninguém é perfeito e todos temos as nossas vulnerabilidades. Mas é isso que nos torna mais próximos da perfeição...

A DESPENSA ESTÁ MAIS RECHEADA!


aqui falei sobre o que os livros representam para mim: são um verdadeiro alimento para a alma. E com mais dois por compra recomendada e um oferecido, tenho mais instrumentos e recursos ao meu dispor para continuar a evoluir mental e emocionalmente. Porque os livros - estes livros - servem para isso mesmo. 

Há que estar preparado para os ler.

Há que estar preparado para os "insights" que podem trazer.

Há que ter a coragem de enfrentar e gerir os "dar-se conta" que podem oferecer.

Acima de tudo, há que saber que se lhes dedicarmos a atenção que merecem, estaremos a colocar o nosso "Eu" no lugar que lhe pertence por direito: em primeiro.

(e isso é fácil de fazer...? Não. Mas absolutamente essencial...)

ESTOU FORA DO PRAZO?


Qual é o timing pré-definido para se poder sentir saudades e desterrado quando se vai viver para outro país? E a partir de quando se deve parecer sentir, quando já se está a viver nesse outro país, que nunca de cá se saiu e a integração é total?

Alguém por favor que me informe porque pelos vistos eu não li o memorando e estou a falhar prazos!

DAVID BOWIE FOREVER

Créditos: Youtube

Foi o meu ídolo da adolescência. Suspirei apaixonadamente muitas vezes ao olhar para os seus posters colados na parede do meu quarto. Ouvi praticamente todos os discos que editou. Detestei a sua fase anos 80. Adorei - adoro - os seus primeiros álbuns e tudo o que editou a meio da década de 90 em diante. Sonhei, porque sabia ser impossível o meu pai permitir, ir ver o seu primeiro concerto em Portugal, no Festival SBSP em Lisboa. Tinha 15 anos. Pensei para mim: "haverá mais concertos teus em Portugal, oportunidades não vão faltar para te ver ao vivo, Bowie."

Seis anos depois, já maior de idade, podia ter ido vê-lo. Não fui. Porque era em Lisboa... estúpida que fui.

Em 2004 anuncia-se novo concerto. Ainda antes de saber o local do concerto, prometi a mim mesma que iria comprar o bilhete e vê-lo ao vivo.. Mas o concerto não se concretizou. Comecei a perder a esperança...

Quando soube na morte deste meu ídolo da adolescência fiquei emocionalmente dormente. E ainda não me "caiu a ficha". Ele não vive mais. Só a sua música. Devo ser uma entre milhões a sentir-se assim.

Aprendi uma lição: o tempo para fazer o que queremos é agora. A altura para concretizar sonhos é agora. O passado já passou e o futuro ainda não aconteceu. Não temos qualquer forma de alterar o passado e de controlar o futuro.

Só controlamos o agora. Só se vive o hoje. Não o ontem nem o amanhã. Só o hoje.

Por isso, adiar sonhos é um risco. Deixar para depois algo que nos fará, hoje, muito felizes pode trazer-nos tristeza.

Porque a única certeza que temos é que hoje vivemos. Hoje queremos. Hoje podemos.

Não voltarei a cometer este erro novamente. Obrigada pela lição, Sir David Bowie!

O QUE FAZER QUANDO NÃO SE SABE O QUE FAZER NA VIDA?

Olhar para dentro de si. Pensar no que mais gosta de fazer. Imaginar o que seria se fizesse o que ama. Sentir o merecimento por poder fazer o que adora. Questionar o como chegar lá. Ponderar que pode ser difícil. Mas aceitar que é possível.

(difícil não é sinónimo de impossível...)

Tirar os "não" da mente. Escrevê-los numa folha de papel.

(não consigo... 
não sou capaz...
não sei fazer...
não mereço...
não posso...)
(rasgar a folha de papel em pedaços e deitar ao lixo)

Pesquisar sobre. Pedir ajuda. Definir um plano para lá chegar. Definir os recursos necessários para o conseguir. Definir uma data limite para concretizar.

E acima de tudo, o mais importante: acreditar. Em si.

O tempo para o fazer é agora. Vamos lá!