OS PÉS QUE ME SUSTENTAM


Que suportam o peso do corpo. Que ligam à terra. Que transmitem sensações. Que aguentam caminhadas extensas. Que equilibram.

Estão na base. Subvalorizo-os. Digo que não gosto deles. No entanto, sem eles, não sentiria a areia molhada, o chão frio, a relva sedosa, a suavidade do tapete.

Equilibram-me. Sustentam-me. Já aguentaram o peso de 3 gravidezes. Já os torturei com calçado apertado, botas pesadas, saltos altos. Não lhes dei a devida atenção durante muito tempo. Mas nunca me falharam, cumpriram sempre a sua função.

Agora, faço as pazes. Comigo, essencialmente. Porque projetei neles a minha baixa auto-estima, a minha falta de confiança, o não gostar de mim, o não me aceitar, o achar que não era suficiente...

Agora, peço-lhes perdão. Dou-lhes atenção. Trato deles com carinho. Embelezo-os.

Porque agora, eu perdoei-me. Eu gosto de mim. Eu gosto do corpo que tenho. Eu aceito-me. Eu integro-me. Eu sinto-me inteira. Eu Sou Inteira. 

E isso é tudo. E basta...

MENINA-MULHER


Vai, menina, vai. Vive a Vida. Vive-a, não corras atrás dela. Sem sofreguidão. Sem medo de perder algo pelo caminho. Com Fé.

Vai, menina, vai. Faz-te Mulher. Mas dá sempre a mão à menina dentro de ti, para que não te esqueças de rir, brincar, sonhar alto e acordada.

Vai, menina, vai. Sê Feliz na simplicidade das emoções, no Amor descomplicado, na ternura que dispensa escritos e juras.

Vai. Vai com tudo. Tu. Inteira. Aceitando o medo. Mas escudada com Coragem.

Que assim seja, hoje e sempre...

SIMPLICIDADE DA VIDA

Serra da Arrábida, Setúbal

Para mim, a praia e o prazer de lá estar começava assim que entrávamos no carro e arrancávamos. Rádio sempre ligado, musicas a bombar e nós os 4 a cantar bem alto o que estivesse a bater. Não interessava qual o destino, a viagem até lá já valia a pena, pela diversão. É claro que também havia (e não há sempre...?) os "já chegamos?", os "falta muito?", os "estou com fome" ou ainda os extraordinários "isto é uma seca!"...

Mas ainda se estava a dar a volta à chave da porta da casa e a ganapada já estava numa corrida para ver quem chegava primeiro ao carro. Para arrancamos para mais um dia cheio de novidades. Para passarmos mais um dia em familia. Para vivermos mais um dia em cumplicidade, construção de memórias e emoções saboreadas ao máximo.

Estas férias foram bem humildes em termos de gastos. Mas a contemplação da beleza dos locais descobertos, o sabor doce e profundo do tempo em familia passado e a leveza do tempo, que passou bem devagar, tão languido como nutrido de emoções... é impagável. 

A simplicidade da Vida. Gratuita. E ao alcance de todos.

Que assim seja, sempre.

BELEZA DE PEDRA


A ilusão do encantamento. Linda, bela, sedutora, mas prisioneira. Sem pernas para caminhar, para se alinhar no seu percurso, para pegar na mochila e ir. Não interessa para onde, apenas ir.
(na verdade, "para onde" interessa. Passam-se anos a andar, a correr, mas sem direcção, sem foco, sem saber para onde se quer ir. Por consequência, nunca se lá chega. Ao "não se sabe para onde")

Bela, sedutora, mas presa. Entoa os cânticos mas ninguém a salva, ninguém a ama. De verdade. Espera, mas ninguém vem. Deseja que a sua salvação seja o outro, nunca ela. Define para si que o seu papel nesta vida é só um e que não pode ser alterado, sob pena de perder a sua essência. Mas qual é a sua essência? Não sabe. Ainda assim, mantém-se irredutivel. Na ilusão do encantamento. Do encantamento de que será salva. Por alguém.

Vida triste esta, que se move apenas pela ilusão do não poder, do não estar ao seu alcance, do não ser o próprio a definir e trilhar o seu caminho. Tantos de nós com pernas para andar, mas paralisados, sem nos movermos para lado algum. Ou então, a corrermos feitas baratas tontas para todo o lado mas sem chegar a porra de destino algum.

Vida triste esta, que sente que não tem estrutura suficiente, que não é atraente o suficiente, que não é interessante o suficiente, que não tem em si a força interior suficiente (os outros são sempre mais, são sempre melhores, têm sempre tudo...).

Vida triste, esta. De fazer a pose, de simular sorrisos, de esconder vulnerabilidades, de fingir que sente.

Não se sente nada quando estamos dormentes de dor. Quando estamos com a cabeça enfiada na areia. Quando o medo toma conta de nós e nos aniquila a vontade de viver em pleno, de sentir tudo, de ser inteiro.

A estátua é bonita. Mas é de pedra. Sem vida. Sem amor. No final do dia, fica só. Sempre.

Por isso, que se integre esta Verdade Absoluta: Tu és imensa. Tu és inteira. Tu bastas-te. E, no final dia, a única pessoa que te salvará... és Tu. 

Que assim seja. Hoje e sempre.

praticar o desapego


Apanhada pela objectiva da mais velha. A contemplar as crianças a brincar, os adultos a sorrir, a areia quente a brilhar, as cores dos guarda-sois e páraventos a dançar pelo meio do azul do céu. Cabeça vazia. Alma serena. Coração aquecido pela beleza de apenas estar, de apenas olhar. Sem racionalizar nada. Sem pensar. Cabeça vazia...

É um desapego, este, o de pensar nada, o de esvaziar a cabeça. O de encher o peito e respirar fundo. Implica ir para um estádio de desprendimento, de zero preocupações, de apenas absorver o que está à volta de bom, da paz, da calma, da tranquilidade. Dificil de fazer. Implica prática,, treino, insistência. 

Mas se a alma e o coração querem e - fundamentalmente - precisam, a alma consegue. Que se integre esta certeza: o mantra do "aqui e agora" não é para um determinado tipo de pessoas que os outros consideram porventura iluminados, sábios ou outra coisa qualquer fora do comum. Não, de todo. É para todos. Serve a todos. Está ao alcance de todos. Basta, em primeiro lugar, querer fazê-lo. 

O resto... bem, o resto a Vida encontra, sempre, uma forma de lá chegar...

Dolce far niente finito



Está a acabar. O dolce far niente... os últimos dias aqui por terras de Cinfães fecham com chave de ouro umas férias de verão surpreendentemente tranquilas, relaxadas, saborosas.

As primeiras férias a 4. As primeiras férias com o meu irmão. As primeiras férias em que me sinto bem. Inteira. Livre. Desprendida. Serena.

As ansiedades querem sempre fazer-me companhia. E em dados momentos deixo-as partilhar comigo parte dos meus dias. Mas cada vez lhes dou menos tempo de antena, cada vez lhes dou menos espaço para me invadirem e tentarem tomar conta de mim. O partir pedra e deitar as vísceras para fora tinha que se manifestar algum dia...

A partir de segunda-feira voltam as rotinas do trabalho. Para os miúdos a silly season ainda continua - umas semanas em casa dos avós, mimo à fartazana, com a devida ingestão de todas aquelas coisas que nem pensar contar à mãe e que só os avós, quando são avós, é que acham que não tem mal nenhum comer e sempre que os meninos pedirem...

Voltam as rotinas de trabalho. O que nunca mais volta é aquela Sónia que não usufrui, que não vive, que não sente, que não se assume.

Tardou. Mas estou cá. Sê bem vinda...

Serenidade


8 da manhã. A casa inteira dorme ainda. Menos eu. Sede de apanhar este momento matinal, em que o Sol começa a aquecer o solo, os telhados, as almas, os corações. Reina o silêncio à minha volta. Ainda. Daqui a nada, começarão a girar à minha volta os "bom dia, dormiste bem?", as gargalhadas, os "mamã, tenho fome", os "posso ir agora para a piscina", os bons momentos em família, nesta família que é e se nutre de mais do que apenas laços de sangue.

Só ouço, por agora, o agitar das folhas nas árvores, os pássaros a chilrear, o som muito longínquo da carrinha a distribuir pão pelas ruelas das aldeias.

A serenidade que aqui reina neste momento é avassaladora. A agitação que reinará quando a Casa acordar também.

Tudo está bem. Tudo faz sentido. Tudo está no timing certo. Que bom. Só tenho de Agradecer. Sentir. Ser. Estar.

Que assim seja. Hoje. E sempre.

Coração elástico


Coração Elástico. Imenso. Infinito. Aguenta tudo. Ou quase tudo (aguenta mais do que penso...).

Coração que ama. Coração que remói. Coração que seduz e que se rende. Coração que ralha e que demora a perdoar (muito menos tempo agora...).

Coração de Mãe. De Mulher. De Amiga. De Irmã. De Missão de Vida. De Ser.

Coração Elástico. Já foi esticado quase ao limite, quase arrebentou. Quase que o arrebentei, de tanta porcaria que lá lhe enfiei e que não lhe pertencia, não lhe cabia a ele guardar...

Coração Resiliente. De Coragem. De ter Medo e mesmo assim Ir. Coração que agora se estica para albergar o que aí Vem. Para acolher o que de Bom está à minha espera. 

Coração que acredita - agora sempre - que nunca é tarde para recomeçar. Para tentar de novo. Para se Ser Feliz...

Com coragem


Conheço as muralhas. Conheço-as muito bem. Construí-as ao longo do tempo, durante muito tempo. Atingiram alturas inimagináveis. Eu era invisivel dentro delas. Não existia. Não queria existir fora delas. Essas muralhas proporcionavam-me uma falsa ilusão de protecção. Na verdade, não me protegiam de nada, apenas me impediam de viver, de sentir... o que estava mesmo ao meu alcance e para meu proveito, mas que coloquei do lado de fora...
As muralhas constroem-se. Mas felizmente também se deitam abaixo. Podem voltar a reerguer-se, mas que seja apenas para a sobrevivência básica, para a protecção minima, para a indispensável calma e segurança de ter alguma rede.

O que for para além disso... é prisão. Auto-imposta.

Sento-me no topo delas. Olho para baixo e contemplo, perplexa: ergui-as assim tão alto...? Sufoquei-me assim tão sofridamente...? Enclausurei-me assim tão profundamente...?

Hoje, convivo com as memórias delas. Servem para me centrar e alinhar. Para me balizar.

Viver. Sentir. Amar. Com calma. Sem medo. E com muita coragem...