SINTO-ME... NÃO! ESTOU CANSADA!

O "sentir" encerra em si algo de passageiro. Eu não ando temporariamente cansada, não, de todo. 

Eu estou sim em modo "Cansada". E este tem sido o meu estado há já muito, muito tempo.

Mas só ultimamente me dou conta da dimensão desse estado; entre mudança de país, realidade climática e de casa (esta ultima recente, decidida e concretizada numa semana...), perdi-me algures por aí. 

Quase a completar um ano de estadia em Angola e portanto, quase a completar-se um ano a viver novamente a 5 e a serem novamente dois a cuidar e educar 3 crianças, pergunto-me simplesmente como consegui aguentar tanto tempo sozinha. Como consegui cuidar de uma mãe doente, assistir impotente à vida a escapar-lhe do corpo, fazer o funeral, encerrar uma casa, lidar com o pânico de ir mudar radicalmente de vida... ao mesmo tempo que cuidava de 3 crianças, sozinha. Sozinha.

A resposta? A resposta a todas estas perguntas é que, na verdade... eu não consegui. Eu estive em esforço mental e emocional durante todo esse tempo. O fisico andou em piloto automático. Eu coloquei-me em modo "dormente". Para poupar energia. Para não colapsar de uma vez por todas. Para sobreviver.

Passado quase um ano a viver num outro país a 5, acompanhada nesta missão para a vida que é educar os nossos filhos, começo finalmente a relaxar. 

Começo a permitir perdoar-me por não ser super-mulher 
(porque não tenho de o ser, nem para mim nem para ninguém).

Partilho as angustias e ansiedades que me assolam de quando em vez 
(já não estou sozinha...).

Permito-me pedir ajuda porque sei (agora) que não tenho de fazer tudo
(já não estou sozinha...).

... começo a relaxar...

E agora o esforço, que quase me engoliu, finalmente dá tréguas e abranda. Assim como a adrenalina
(essa doentia e viciante sugadora de energia).

E portanto, agora dou-me conta de que estou de rastos... estou muito cansada... preciso desesperadamente de descansar. 

Como o faço? Não faço a mais pálida ideia. Creio que esse é, sem sombra de dúvida, um dos meus desafios a muito curto prazo...

NUM TERRIFICO MINUTO...

... tudo muda. A 16 de Julho de 2015, exactamente às 10.05 da manhã e um minuto após entrar numa agência para tratar do meu visto para ir morar para Angola, recebo um telefonema. Desconhecia o número. O meu estômago contrai-se repentinamente. Atendo a chamada e do outro lado ouço apenas isto: "É a Sra. Sónia Silva? É do Hospital Santo António. Lamento informá-la, mas a sua mãe acabou de falecer. Os meus pêsames."

E pronto, desabou tudo.

Desligo a chamada. Estou atarantada. Acabou de falecer? E ligaram-me logo? Não sei porque razão estranhei o facto de me ligarem imediatamente a seguir ao ultimo sopro de vida da minha mãe. Estaria ela acompanhada nos seus ultimos minutos de vida, teria ela alguém ao seu lado aguardando que partisse para o outro mundo, para que não fizesse a viagem sozinha? Desligo esse pensamento. Tenho de ligar ao meu irmão. Enquanto faço a chamada e ser agora eu a portadora de tão triste noticia, penso: "Agora eu e o meu irmão somos orfãos. Eu sou orfã..."

Ouço a comoção do outro lado do telefone. Tento controlar-me para ser a figura mais velha que conforta e sossega.
(agora não há outra figura mais velha para nos proteger e sossegar...)

Ligo o piloto automático: é preciso ligar à funerária, é preciso tratar de papelada, é preciso... é preciso... 
... é preciso eu sentar-me e respirar fundo. A minha mãe morreu. E já não tenho pai também.  "Agora estão os dois juntos e a olhar para nós. E por nós." E o meu coração acalma-se um pouco.

Lembro-me que o meu pai também faleceu num dia 16. Coincidência...? 

Relembro que a minha mãe faleceu exatamente no minuto em que eu entrei numa agência para me ir embora de Portugal. Para ir morar para outro sitio. Muito longe dela. Coincidência...?

A garganta começa a ficar apertada. O estômago começa a ficar tenso. Tenho dificuldade em respirar. Sei que tenho de ir para a casa dela. Voltar a sentir o seu cheiro na casa, no sofá onde passou as suas ultimas semanas de vida, nas roupas que usou nos ultimos dias, no quarto onde dormiu as suas ultimas noites...

Chego a casa da minha mãe e levo imediatamente com todos esses estimulos. Sento-me no sofá onde passou deitada os seus ultimos dias em casa antes de ser hospitalizada e por segundos - por milagrosos segundos! - vejo-a ali deitada. Fecho os olhos e desato a chorar copiosamente, como choro agora à medida que escrevo estas palavras.

As semanas que se seguiram foram para mim e para o meu irmão também igualmente terriveis emocionalmente, pois o voltar àquela casa todos os dias para mexer em papelada que era da minha mãe, mexer em roupa e outros objetos que eram da minha mãe, tomar decisões sobre o destino de tudo o que era da minha mãe... foi dilacerante.

Neste preciso momento, sinto que a minha mãe está atrás de mim a abraçar-me, para me reconfortar. Pois lágrimas correm-me pela face. Sinto muito, muito a falta dela.

E no aqui e aogra, só tenho é que lhe agradecer: agradecer-lhe por juntamente com o meu pai, me ter proporcionado a vida; agradecer-lhe por ter sido a avó cuidadora dos meus filhos, agradecer-lhe por numa manhã, já hospitalizada e a sofrer das primeiras complicações pós-cirurgia, ter ficado feliz ao me ver entrar na sala onde estava internada e me dizer que estava ansiosa que eu chegasse porque estava com saudades minhas (e logo a seguir perguntou pelo meu irmão porque também estava cheia de saudades dele) - nesse momento senti-me pequenina novamente, amada e reconfortada...

Obrigada Mãe. Por tudo. Gosto muito de ti, sabes? 

E também estou cheia de saudades tuas...