a ilusão das expectativas

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As mudanças são sempre um desafio interior a gerir com cuidado e atenção. E porque a mudança traz sempre consigo um pouco de desconhecido e de desconforto, queremos agarrar-nos à imagem bonita de que a transição vai ser suave, sem solavancos nem desvios, sem dor nem lágrimas, sem custar ou custar menos do que imaginamos. Ou seja, que tudo será um mar de rosas.

As rosas têm espinhos. E o mar é por vezes violentamente irrequieto.

A minha preparação da viagem para Angola e a viagem em si foram intensas. Mas a expectativa que entretanto criei antes de viajar - para acalmar a minha ansiedade - era que depois de aterrar com os meus filhos em terras africanas, me iria sentir mais leve, mais tranquila, segura, serena; a reunião familiar iria estender um manto de felicidade sobre todas as dores de saudades sentidas e colorir todos os momentos escuros que por aí viessem, oriundos do medo do desconhecido.

Não podia estar mais enganada. Mas pensando bem, só podia estar: durante dois anos e meio vivi praticamente sozinha com os meus filhos; habituei-me a gerir e tomar decisões sobre a casa e criançada sozinha; por outro lado, o meu marido esteve dois anos e meio sozinho, quase a viver uma vida de solteiro, pois não tinha esposa e filhos a solicitar cuidados, atenção e mimo. É fácil habituarmo-nos a estar sozinhos sem "dar cavaco às tropas". Demasiado fácil. E as adaptações emocionais e mentais de todos, em relação a todos, são avassaladoras. Embora inevitáveis.

Depois temos a variável "deixar o sitio que sempre conheci para ir viver num outro que não conheço e que é longínquo como o catano!" pelo meio. Para mim, aterrador. E Angola é um país com um clima fantástico (está sempre calor, mesmo quando chove o calor anda no ar...), com paisagens naturais de tirar a respiração de tão lindas que são, as pessoas recebem-nos de braços abertos... mas também é o país com gigantescas diferenças nas classes sociais, onde a esperança média de vida infantil é ainda relativamente baixa, onde milhares de pessoas trabalham mais de 12 horas por dia para conseguirem colocar alguma comida na mesa no final do dia, onde recolha de lixo e seu devido tratamento são conceitos que ainda vivem maioritariamente num papel algures numa qualquer entidade governamental competente.

A minha primeira semana em Luanda foi vivida em pânico. A primeira semana dos miúdos foi vivida num misto de maravilhada contemplação pelo mundo novo que se lhes desdobrava à sua frente e de contida dor pela saudade de todos os que lhes são queridos. Houve lágrimas. Houve discussões. Houve uma vontade enorme de voltar atrás e esquecer o porquê de termos vindo para Angola.

Gradualmente estamos todos a tirar os espinhos às rosas, para lhes podermos tocar e admirar a sua beleza sem sentir dor.

Gradualmente estamos todos a acalmar o mar revolto, para dentro dele podermos mergulhar sem receio de nos afogarmos. Sem dúvidas. Sem medo.

Não existe isso de "mar de rosas". Existe apenas o sentir e lidar com o que nos aparece pela frente, seguros de que tudo acontece por uma razão e que onde estamos é exactamente onde temos de estar. E na hora que tem de ser. O medo faz parte de nós, mas deixemo-lo fazer o que deve - colocar-nos em alerta, não nos paralisar. E criar expectativas serve para sentirmos que de alguma forma controlamos o que vai acontecer. E com isso não abraçamos o que acontece, porque agarramo-nos à ideia do que queríamos que fosse. E não vivemos de peito aberto o que é.

O meu desafio neste momento é não criar expectativas. 

Respirar fundo, manter o coração aberto para todas as emoções (positivas e menos positivas) e registar mentalmente tudo o que vejo de novo é um exercício diário, mas essencial. 

Para não criar ilusões.

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