O SINDROME DA INTOCABILIDADE


É assustadoramente normal. Banal até. O ser humano desligar certos mecanismos de autosobrevivência e assumir que "só acontece aos outros".

Só acontece aos outros morrer num acidente automóvel porque iam a conduzir com excesso de álcool. Logo, eu posso beber o que me apetecer quando sair à noite. Porque eu controlo a cena toda. Eu até conduzo quase de olhos fechados, quanto mais com uns míseros litros de álcool no sangue...

Só acontece aos outros desenvolver cancro nos pulmões, fígado, estômago... Porque eu até sou saudável, nunca fiquei doente e raramente fico constipada. Logo, posso enfiar para o meu corpo substâncias cientificamente provadas como nocivas a longo prazo, porque a mim nada me afecta. E também porque vou viver para sempre...

Só acontece aos outros ficarem infectados com o COVID-19. Eu faço a minha parte. Até uso as luvas (que não descarto nos locais devidos) e a máscara (que só ponho para tapar a boca, no nariz não porque é desconfortável). Por isso, não me peçam agora para, num belo dia de Sol, eu ficar em casa. Eu tenho de ir dar um passeio ao longo da Marginal. Se estão lá outras pessoas, muitas pessoas, isso é lá com elas. Eu tenho o direito, repito - o direito!, de sair de casa para tomar um pouco de ar. E ao ar, já se sabe, não se apanha o tal do virus...

...

Fingimos que está tudo bem. Que nos vai passar ao lado. Que os números que vemos serem anunciados nos orgãos de comunicação social são só isso mesmo: números. Não representam pessoas. Já falecidas. E infectadas. No momento em que escrevo este post, estão, a nivel mundial, cerca de seiscentos e cinquenta mil infectados. E faleceram já mais de trinta mil pessoas. 30.000. E o pico da pandemia ainda não foi atingido...

Por isso, a todas estas pessoas que sofrem deste estranho, perigoso, altamente negligente e arrisco até - criminoso - síndrome da intocabilidade, só vos desejo uma singela coisa: boa sorte. Vão precisar...

Sem comentários:

Enviar um comentário