Aos 19 anos desisti de usar relógio de pulso. Zanguei-me com os relógios. Tive alguns bem engraçados e gostava de os ver no pulso, mas não sei porquê, passado pouco tempo de uso deixavam de funcionar, apesar de a pilha estar ainda com carga. Para além disso, tive sempre a sensação que usar um relógio de pulso me fazia sentir sufocada, controlada e que o tempo corria sempre depressa demais. Consultava constantemente as horas, era só desviar o olhar para o meu braço direito e verificar onde pairavam os ponteiros. Ficava ansiosa por ver o tempo passar através daqueles ponteiros.
Deixei de consultar as horas no relógio de pulso. Passei a consultar as horas pelo relógio de parede de casa, pelo relógio do carro, pelos relógios dos outros, pelo telemóvel. Deixei de me sentir sufocada e controlada pelo tempo...
... mas cheguei muitas vezes atrasada a compromissos por não saber que horas eram. Saí de casa muito mais cedo do que o necessário por ter medo de não chegar a horas a determinado local. Perguntei as horas vezes sem conta a desconhecidos por não ter qualquer meio comigo de saber que horas eram. Vistas bem as coisas, o tempo continuou a controlar-me. E a ansiedade estava cá dentro à mesma a fazer estragos, mas ao não ver o relógio no pulso, não via o restante...
Uma semana antes de viajar para Angola - um dos acontecimentos que mais ansiedade me causou na vida! - apaixonei-me por um relógio de pulso. E adquiri-o, por impulso. Numa ida a uma loja para reparar uma bracelete de um relógio do marido, deambulei os olhos pelas montras da dita. E eis que o vejo, um relógio de pulso bonito, clássico e que à primeira vista... não parecia um relógio de pulso!
Olhei para ele e pensei: "estás a fazer-me olhinhos... és bem bonito... era bem capaz de mandar às urtigas a minha zanga com os relógios de pulso e trazer-te... nem vou pensar muito... vou levar-te!"
E assim foi. Uso-o quando saio de casa. E esqueço-me que o tenho no meu braço direito. Porque também me esqueço de consultar constantemente as horas. É que ao longo destes anos todos fui descobrindo que podemos projectar num objecto, pessoa ou ideia tudo aquilo que não queremos lidar ou aceitar, mas "aquilo" continua connosco, a menos que o reconheçamos e aprendamos a geri-lo. E eu já aprendi a gerir e lidar com a minha ansiedade.
Adoro o meu relógio de pulso!
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