Os filhos da nova emigração

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Recupero aqui um texto escrito por mim destinado a integrar uma newsletter do Grupo de Pais do infantário Monfortinhos de Real (a casa que sempre acolheu os meus filhos como se de uma segunda casa se tratasse).

Um tema estruturante. Uma dura realidade hoje e cujos efeitos só serão conhecidos daqui a muitos anos. Quando esta geração tiver os seus netos.


Os filhos da nova emigração – como ser pai e mãe em simultâneo e como procurar estar presente gerindo a ausência.
 
Hoje em dia assistimos a um novo tipo de emigração em Portugal. Pessoas qualificadas, muitas delas com formação superior, rumam para destinos fora de Portugal em busca de trabalho remunerado. Pessoas com família constituída, com um ou mais filhos, com esposa/esposo, tomam a difícil decisão de os deixar, para os poderem continuar a sustentar devidamente. E quem fica assume o difícil papel de colmatar junto dos filhos, o melhor que consegue, a ausência de quem partiu, ao mesmo tempo que, sentindo-se desfeito por dentro, faz um herculeano esforço para permanecer (parecer…) inteiro. Casada e mãe de três filhos com idades entre os 10 e os 2 anos, eu vivo desde 2013 a realidade de o meu marido trabalhar fora de Portugal (Angola, Luanda). Eu fiquei por cá, a cuidar e a criar os nossos filhos. Sozinha. 

Enquanto assistimos a este cenário, muitas crianças crescem tendo o pai ou mãe ausente durante meses, onde o único contacto visual e auditivo acontece através de um computador ou telefone. O toque não é possível, o abraço não é possível, o beijo de boas noites na face não é possível. Falham-se os aniversários, o primeiro dia de escola, a festa de natal escolar, o jogo de futebol onde o miúdo marcou o golo decisivo…

Quem está ausente sente um aperto no coração diário. E culpa. Muita. Ora porque não está a acompanhar in loco o crescimento dos filhos, ora porque não está a vivenciar as suas aprendizagens, as suas conquistas, os seus desafios. E esta culpa cresce ainda pela sensação de que a sua ausência está a causar sofrimento a todos. Apesar de a sua ausência ser uma consequência de querer o melhor para todos…

 Quem fica também não está melhor. Para além do aperto no coração, sente diariamente a pressão de ter de ser mãe e pai, de não ter o cônjuge para partilhar e vivenciar a parentalidade, de fazer tudo sozinho, de saber que abraços extra seus não vão compensar o abraço que falta, que beijos multiplicados não cobrem a face que espera o beijo que falta, que estar presente e assistir ao golo no jogo de futebol não evita o sentimento de alguma tristeza por parte da criança porque “só tu é que me viste, eu queria que os dois me tivessem visto a marcar o golo…”.

Então, o que fazer? Como lidar com esta situação tão complexa, que exige de todos uma carga emocional tão grande, que por vezes parece que não será mais possível aguentar?

Bem, eu fui aprendendo à custa de muitos erros e frustração. Mas também graças a muitos “pequenos” momentos grandiosos, de abrir o coração e arrancar sorrisos do tamanho do mundo, como por exemplo a feliz e radiante surpresa da minha filha Marta por ser o pai a esperá-la à porta da escola no final de tarde, já que a vinda dele tinha sido preparada em segredo, ou as lágrimas a cair copiosamente pela cara abaixo do meu marido por ver os filhos a correrem para os seus braços no aeroporto, depois de ter estado 8 horas dentro de um avião ansiando pelo momento de os abraçar. Estes momentos acalmam o nosso coração e lembram-nos de que o núcleo familiar continua intacto, preciosamente intacto. Este núcleo, independentemente de tudo, é o mais importante, é a prioridade máxima! E é com base neste simples mas fundamental pressuposto que vos deixo alguns conselhos e dicas: 

. Não dar espaço à culpa. Decisões desta natureza, que implicam separar fisicamente o núcleo familiar, são tomadas para beneficiar a médio e longo prazo toda a família, logo para quê sentir-se culpa por querer cuidar e zelar pelo bem estar e todos?
 
. Evitar tentar substituir alguém. Uma mãe ou um pai não conseguirá nunca substituir o papel e peso do outro na vida dos seus filhos – aceitar que neste momento esse défice existe, assegurar que as crianças sabem que a ausência não é sinónimo de menos amor e disponibilizar incondicionalmente colo e abraços para apaziguar as saudades dos pequenos, ajuda na dinâmica diária. Mesmo!

. Pedir ajuda. Pode haver a tentação de tentar fazer tudo sozinho, na lógica de demonstrar para o próprio e para os outros de que tem a situação sob controlo. Isso não vai durar muito tempo. O desgaste emocional e físico vencerá. E as crianças refletirão no seu comportamento esse desgaste. Rodearmo-nos de pessoas importantes para nós e para a nossa família e pedir-lhes auxílio ajudará a dinâmica familiar a fluir com mais calma. Para não estarmos a mil à hora a tentar estar em todo o lado ao mesmo tempo… 

. Muitas vezes as crianças não querem falar pelo computador ou telefone com o pai/mãe ausente. O que fazer? Aceitar e dar espaço a que a criança o faça por sua iniciativa. Porquê? Porque quase sempre a criança está zangada – ela não quer falar através do computador, ela quer falar cara a cara, pessoalmente! Sendo naquele momento essa uma impossibilidade, a criança recusa-se. Estará ela errada? Se calhar não… Com o tempo isso passa. Enquanto não passa, mimos e colo extra apaziguam o coração dela. E o seu. 

. Considerando que o retorno monetário é de tal valor, que justifica a necessidade desta separação na família, planear e definir a curto/médio um prazo para o término da separação familiar, ou seja, definir uma data o mais realística possível para o regresso a Portugal de quem está a trabalhar fora; ou, para quem cá está com as crianças – definir quando poderão ir ao encontro do outro e iniciarem um novo projeto de vida num outro lugar. E falar com as crianças sobre todas essas possibilidades. Para que elas sintam que dentro de determinada data todos ficarão juntos. Como deve ser. 

Porque independentemente de todas as contrariedades, o mais importante… é estarmos todos juntos.

2 comentários:

  1. Já tinha gostado e voltei a gostar! 😉 E há partilhas à distância que me emocionam e muito, tu sabes!

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