TRETAS



Temos uma dificuldade imensa em olhar para dentro. Em olhar para o espelho e reconhecer o que é necessário trabalhar em nós. Assumir que eventualmente os caminhos que escolhemos trilhar não são os que nos levarão onde queremos chegar.

Temos uma dificuldade imensa em acolher a opinião do outro sobre isto mesmo. Em surdina, recusamos ouvir. Sentimos algum embaraço por o outro nos ver de forma tão transparente e portanto, entramos em modo defesa, atacamos: o outro está errado, o outro só sabe criticar, o outro não sabe, o outro não conhece, o outro não tem nada a ver com a nossa vida. Vivemos, portanto, na ilha. Rodeados das nossas verdades absolutas, dos nossos dogmas encrustados na pele, da nossa visão unilateral da realidade. Vivemos com palas nos olhos.

Temos uma dificuldade imensa em permitir mudanças de paradigmas. Estamos à tanto tempo agarrados a uma forma de agir e de reagir, que permitirmo-nos alterá-las significa para nós, fracasso. Tempo perdido. A assumpção de que erramos e investimos tempo e energia, em vão. 
Continuamos então. No mesmo paradigma, no mesmo caminho, no mesmo dogma. Recusamos sair da nossa zona de conforto. Mesmo que ela nos esteja a afixiar, lentamente.

Hoje, do alto dos meus 48 anos e mais de 8 anos de psicoterapia, observo estes comportamentos e compreendo-os totalmente. Já lá estive. Nessa bolha estanque de desresponsabilização, vitimização, manipulação, imaturidade. 

Hoje, do alto dos meus 48 anos, percebo. Que só curamos as nossas feridas, com a tomada de consciência. Que só fazemos diferente e melhor, arriscando outros trilhos, permitindo outras abordagens, estando receptivos a outros olhares sobre as mesmas situações.

Hoje, do alto dos meus 48 anos, reconheço. Cresci, amadureci. Assumo as minhas responsabilidades. Tenho consciência de que as minhas acções influenciam também a vida de outras pessoas, para além da minha. Cuido de agir bem, o melhor possível, sempre que possível. Por mim e por quem me rodeia. A isso chama-se ser adulto. 

O meu pavio começa a ficar curto. Para quem prefere não crescer, para quem prefere manter-se na mesma bolha, no mesmo registo, no mesmo caminho de sempre em direcção ao abismo. A vida não espera sentada, aguardando que um dia finalmente nos caia a ficha; quando menos esperarmos, chega a nossa hora. E depois é tarde demais para fazer seja o que for. Por isso, por favor, deixemo-nos de tretas...

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