Ultimamente a minha avó materna tem vindo à minha memória com mais frequência do que o habitual. Talvez porque estou actualmente a morar numa terra onde ela já esteve e morou, à quase 80 anos atrás.
Foi na década de 40 do século passado que a minha avó viajou de Portugal para Angola para se juntar ao marido, o meu avô, que tinha viajado meses antes no âmbito da politica de colonização do Estado Português, quando Angola ainda era uma colónia de Portugal.
Talvez por isso ela me visite mais vezes nas minhas recordações. Talvez...
A última recordação dela apanhou-me à dias de surpresa pois pertence à minha infância e pré-adolescência: cevada acompanhada de torradas feitas em frigideira no fogão e sopa às 4 da tarde.
Não sei qual foi o "gatilho", mas de repente lembrei-me do quanto adorava tomar o pequeno-almoço na sua casa quando era bem pequena: ela punha uma cafeteira alta (daquelas de metal que se amassava toda quando caía ao chão) ao lume com água e quando esta começava a ferver, desligava o lume e deitava três colheres de sopa bem cheias de cevada em pó, da marca Delta - tinha de ser aquela marca, para a minha avó era a cevada mais saborosa - mexia bem e deixava o pó assentar. Enquanto o pó da cevada assentava na cafeteira, a minha avó colocava uma frigideira em ferro, com picos na base utilizável, ao lume no fogão, partia três moletes - pão de trigo pequeno - a meio e torrava as metades nessa frigideira. Cada metade ficava com uns pontos negros maravilhosos - culpa dos tais picos que a frigideira tinha - e com um sabor extraordinário, irreproduzível por qualquer outra torradeira convencional!
A minha avó não precisava de me chamar duas vezes para eu vir para a cozinha tomar o pequeno-almoço: assim que cheirava a cevada acabada de fazer e o pão torrado ainda quentinho voava para a mesa da cozinha!
Depois era o delírio: a margarina a derreter no pão, a chávena a aquecer com a cevada coada através de um pano de algodão e o bocadinho de leite a transformar a cevada na meia-de-leite perfeita!
E ali ficávamos as duas, eu e a minha avó, a saborear aquele pequeno-almoço muito simples mas que me sabia da pura vida, porque era a minha avó que o preparava, especialmente para mim. Lembro-me do seu olhar de serena alegria ao ver-me tragar a meia-de-leite e devorar as quatro metades de pão torrado carregadas de margarina (sim, eram três moletes - um para a minha avó e dois para mim!) com grande satisfação. É das recordações mais singelamente bonitas e doces que tenho da minha infância...
A sopa às 4 da tarde... bem, a recordação da sopa às 4 da tarde é também umas das que guardo com muito carinho: por volta dos meus 12 anos a minha mãe, até à data doméstica, resolve ter um emprego em part-time que implicava chegar a casa por volta das 20H00. A minha avó, que morava a cerca de 15 minutos a pé de minha casa, ia lá todos os dias para tomar conta de mim e do meu irmão . Para ajudar a minha mãe, a minha avó preparava à tarde uma grande panela de sopa para acompanhar o nosso jantar. Lembro-me como se fosse hoje de no verão me sentar com a minha avó no degrau da porta da cozinha, que por ser de mármore era fresquinho, cada uma segurando a sua tigela cheia de sopa acabadinha de fazer. E não era uma sopa levezinha, era daquelas com uma base grossa de batata e feijão e com muito "entulho" - o que nós chamávamos à enorme quantidade de couves que a sopa levava, tudo regado com uma generosa quantidade de azeite. A sopa feita pela minha mãe era muito saborosa mas aquela sopa, feita pela minha avó... era inigualável!
Verão e tigela de sopa quente às 4 da tarde parece algo completamente estranho e impensável. Bem, só posso afirmar que era o melhor dos lanches! Porque era a sopa feita pela minha avó e porque eu a devorava, acabadinha de fazer, na sua companhia....
É curioso que coisas tão simples como estas despertem tão boas sensações e fortes lembranças de alguém.
Graças a ti Avó! Graças a ti...
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