EU, TU E NÓS - AS VÁRIAS ESFERAS PESSOAIS E A RELAÇÃO A DOIS


aqui falei sobre o nosso núcleo, sobre sabermos qual é a nossa essência sem a "máscara" dos vários papeis sociais por nós assumidos.

Hoje falo da vulnerabilidade e tentação de nos "perdermos" numa relação a dois, sob a premissa de que se unificarmos interesses, passatempos, opiniões, sonhos e desafios, a relação a dois é verdadeiramente de partilha e tem mais probabilidades de se prolongar no tempo. 

Pois... sabem aquele desejo romântico de encontrar a "alma gémea" e viver feliz para sempre? É uma treta! A sério, é! 

Encontrar a alma gémea implicaria encontrar alguém exactamente com os mesmos gostos pessoais, a mesma opinião sobre como viver a vida, a mesma opção clubística, politica, religiosa, os mesmos sonhos, a mesma visão de si e do mundo. Alguém interiormente igualzinho a si. Impossível! Cada um de nós é único e assim como não há duas impressões digitais iguais, também não há duas pessoas com núcleos exactamente iguais.

Mas... vamos imaginar que até há, vamos imaginar que duas pessoas, pela arte do divino ou sei lá o quê, pensam exactamente da mesma forma, sentem o mundo exactamente da mesma maneira, têm exactamente os mesmos sonhos e vivem os seus dias exactamente na mesma frequência. E que esses dois "gémeos" se encontram, se apaixonam e decidem iniciar uma relação a dois. Vamos lá imaginar isso. Que futuro prevêem para essa relação...?

Eu não prevejo um futuro risonho. Nem sequer um futuro a curto prazo. Porquê? Porque cada um desses gémeos não tem a capacidade de trazer nada de novo, desafiante e diferente para a relação. Seria quase como namorarmos connosco, uma vez que o outro é exactamente como eu. Então, para que preciso do outro, se ele não me traz nada de novo, não me desafia, não me traz nada que eu já não tenha...?

É, naturalmente entre outras factores, pelo facto de vermos no outro a possibilidade de sermos desafiados que se desperta em nós o interesse - a hipótese de sermos deslumbrados, arrebatados, conquistados por alguém diferente de nós. É claro que o aspecto físico é o primeiro "isco", mas depois o que sustenta uma relação que se queira duradoura não é o aspecto físico, mas sim quinhentas mil outras coisas que não se vêem através do olhar... 

Então como é que uma relação a dois, com diferentes interesses, opiniões, opções clubisticas, etc., pode resultar? Através da cedência. Mas não uma cedência qualquer! Falo da cedência da nossa vontade em dominar o outro, em retirar poder ao outro. Ceder no aspecto de contrariar a vontade em mudar o outro para ser mais parecido connosco e aceitar, abraçar o que nele difere de nós. Pois foi essa diferença que fez com que nos apaixonássemos por ele em primeiro lugar...

O que muitas vezes - demasiadas vezes - acontece é que se assiste a um enriquecimento do "NÓS" à custa do "EU". E do "NÓS" e do "TU" à custa do "EU".

Se deixa de existir o "EU", o "TU" até pode existir, mas lenta, progressiva e quase fatalmente deixa de existir o "NÓS". E se deixa de existir o "NÓS", mais cedo ou mais tarde o "TU" vai à sua vida. E como fica então o "EU", que entretanto deixou de existir porque se entregou totalmente e se deixou absorver totalmente pelo "NÓS", que já não sabe quem é e o que fazer com a sua vida?

Assistimos muito a esta situação nas mulheres que assumiram o seu papel de mães toda a sua vida mas que permitiram que só esse papel as definisse, negligenciando o seu feminino, negligenciando a sua pessoa, deixando para trás tudo o resto (até o seu casamento) e que depois, quando os filhos "saem do ninho", vêem-se confrontadas com o vazio interior, com um casamento só no papel, com a tristeza de não saberem o que fazer dali em diante. Porque se esvaziaram totalmente no papel de mães, porque não cuidaram do seu "EU"...

Qual é o segredo então? Não sei se existe um "segredo". Só sei que se eu gosto de decorar blocos de papel, o meu marido não tem de se sentar ao meu lado e cortar alegremente flores e bonecos de papel. Ele não acha piada nenhuma a manualidades em papel. E está tudo bem. Eu não acho nada interessante estar 90 minutos em frente à televisão a ver um jogo de futebol, portanto enquanto o marido faz isso, eu vou ler um livro ou fazer outra coisa qualquer nesse período de tempo. E está tudo bem. Não temos de estar sempre juntos, de fazer as mesmas coisas e pensar da mesma forma, caso contrário era uma valente seca! 

O desafio está em salientarmos as nossas diferenças, ao mesmo tempo que celebramos as diferenças do outro. Como? Respeitando, dando espaço, ouvindo, falando, exigindo. E ao mesmo aceitando. Fácil? Nem por sombras! Mas é este o caminho a seguir para o "EU", o "TU" e o "NÓS" chegarem juntos a "velhinhos"...

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